O que tem em comum o princípio de Tucídides e a “guerra comercial”? Neste artigo pretendemos explicar o motivo da trade war - ou “guerra comercial” - promovida pelo presidente dos EUA e a relação deste fenómeno com a decadência do Ocidente e a ascensão do Oriente.
A “guerra comercial” entre os Estados Unidos e diversos países – especialmente a China – tem tido impactos significativos nos mercados financeiros, já que uma escalada desta “guerra comercial” iria ter impactos económicos muito relevantes, podendo no pior cenário levar a uma recessão a nível global.
Se as possíveis consequências desta “guerra comercial” são tão nefastas, o que a motiva?
- Podemos afirmar que ter Donald Trump como presidente dos EUA é uma das razões desta “guerra”, já que grande parte do seu discurso sempre foi o de atacar os acordos comerciais assinados pelos EUA no passado, afirmando que esses mesmo acordos representam um roubo da riqueza dos americanos, pelo que, podemos afirmar que a “guerra comercial” sempre fez parte do plano preconizado pelo Sr. Trump para tornar os EUA “Great Again”.
- O segundo motivo que está na origem da “guerra comercial” é a ascensão da China como a nova superpotência dominante da ordem internacional.
Na realidade, a ascensão da China é a grande historia do seculo XXI, podendo mesmo ser definida como o maior milagre económico de toda a história da humanidade.
Alguns exemplos que permitem ter noção da magnitude deste fenómeno:
Há apenas 40 anos atrás, 90% da população chinesa vivia com um rendimento abaixo do limiar da extrema pobreza. Em 2014 esta percentagem era de apenas 1%, ou seja, a China foi capaz de retirar cerca de mil milhões de pessoas da extrema pobreza.
Evolução da proporção do peso do PIB americano e do PIB chinês na economia mundial, PPP (paridade de poder de compra):
O peso da economia chinesa na economia global passou de 2.32% em 1980, para 19.18% em 2018 (fonte: FMI).
Evolução dos diferentes PIB, PPP desde 1990:
A economia japonesa, que foi durante vários anos a 2ª maior economia do mundo, é neste momento inferior a 25% da economia chinesa, utilizando os valores do PIB em paridade de poder de compra (Fonte: Banco Mundial).
Pode um evento desta magnitude não provocar alterações drásticas na ordem mundial?
Estamos num mundo em que as regras foram “definidas” pelo ocidente (EUA) e em que ser o pais mais importante (serem os “maiores”) faz parte da identidade do americano comum. Desde que nasceram, o EUA foram sempre a potência dominante. A ascensão da China nas últimas décadas está a provocar uma crise de “identidade” em todo o mundo ocidental.
O que nos ensina a história sobre o que acontece numa transição do “domínio” do mundo de uma potencia estabelecida para uma potência em ascensão? A resposta que nos é dada pela história é verdadeiramente assustadora. Em cerca de 2/3 das ocasiões em que este fenómeno ocorreu tivemos uma guerra entre essas duas mesmas potências (fenómeno conhecido como a armadilha de Tucídides).
Exemplos da Armadilha de Tucídides:
Armadilha de Tucídides: Refere que quando um poder crescente causa medo no poder estabelecido isso leva a uma guerra.
Quem é Tucídides?
Tucídides é considerado o primeiro historiador de que há registo, tendo retratado em livro a ascensão de Atenas e a guerra com Esparta, “o que tornou a guerra inevitável foi o crescimento do poder de Atenas e o medo que isso causou em Esparta” – citação de Tucídides.
O princípio de Tucídides ajuda-nos a perceber a origem da “guerra comercial” entre os EUA e a China. E embora a história seja uma ferramenta extremamente útil para analisar o que se passa no mundo, esta serve apenas como uma ferramenta de apoio, não nos dando uma resposta completa. Até porque as circunstâncias atuais são em vários domínios completamente diferentes, já que no presente existe uma interdependência económica muito maior do que no passado, pelo que o sucesso de uma economia é benéfico para as outras e vice-versa. Por fim, temos o exemplo da guerra fria que nos ensinou que quando duas potências numa situação de iminente conflito possuem capacidades de aniquilação mútua, a guerra armada torna-se extremamente improvável. Pelo que, na nossa opinião a “guerra comercial” promovida pelos Estados Unidos é a “arma pacífica” que Trump elegeu para combater ascensão económica, política e militar da China.
Em suma, para perceber a “guerra comercial” promovida pelo Sr. Trump temos que perceber a transferência de poder que tem acontecido nas últimas décadas. O milagre económico chinês tornou o país do império do meio num dos principais atores, porventura o principal, da nova ordem mundial. Essa realidade por mais difícil que seja de aceitar para o comum dos americanos é algo indubitável, e que essa superioridade, à luz do momento inercial atual só terá tendência a acentuar-se no futuro.