Os efeitos da propagação do Covid-19 têm-se feito sentir em todas as economias e as medidas adotadas para a contenção da pandemia têm ido muito para além do pior cenário que a maioria dos analistas tinha equacionado pelo menos até ao início do mês de março. O número de trabalhadores que vêm os seus postos de trabalho em perigo / eliminados não pára de aumentar expondo os efeitos perversos da paralisação imposta (por razões de saúde pública) pela generalidade dos governos às suas respetivas economias.
Durante o pico da Guerra Fria, Ronald Reagan chegou a afirmar que as rivalidades entre as diferentes nações apenas iram desaparecer caso o mundo fosse invadido por aliens. O novo coronavírus é o inimigo de todos, e o território de todas as nações é um campo de batalha e irá impelir os principais blocos económicos a cooperar numa tentativa de encontrar uma solução que permita a economia mundial retomar a desejada trajetória de crescimento. Mas, para já, apesar de esta ser uma batalha de todos, a coordenação é ainda uma miragem (mesmo dentro da União Europeia) e estratégia de combate está a ser claramente diferente quer na vertente epidemiológica quer na vertente económica. Especificamente no que diz respeito aos efeitos na crise no mercado de trabalho e a melhor forma de os debelar EUA e Europa seguiram caminhos muito diferentes.
Na Europa colocou-se o ênfase na preservação dos postos de trabalho existentes a todo o custo e, para esse fim, flexibilizou-se / massificou-se a utilização do layoff, um mecanismo jurídico que permite à entidade empregadora suspender temporariamente o contrato de trabalho com os seus funcionários, durante um período limitado de tempo (reduzindo o seu custo com os salários dos trabalhadores colocados nesta situação, permitindo assegurar a viabilidade económica da empresa durante o período crítico de menor atividade (ou mesmo inatividade) tendo em vista a manutenção dos postos de trabalho quando a situação económica normalizar. A título de exemplo, em Portugal foi aprovada nova legislação criando-se um regime de layoff simplificado que entrou em vigor nos últimos dias de março e que, como o nome indica, veio flexibilizar o recurso das empresas a este regime. Os trabalhadores em layoff recebem cerca de dois terços da retribuição mensal ilíquida, com o mínimo do salário mínimo nacional e até um máximo de três salários mínimos, sendo 70% assegurado pela Segurança Social e o restante pela empregadora.
Nos Estados Unidos em resultado da sua filosofia mais liberal e de um mercado de trabalho muito mais flexível, as empresas podem facilmente e rapidamente despedir parte ou a totalidade da sua força laboral (e no futuro, quando necessário, podem facilmente recontratar esses mesmos ou outros trabalhadores). Neste ambiente, a prioridade do legislador foi para a preservação (dentro do possível) do rendimento dos trabalhadores que subitamente perderam / estão a perder o seu posto de trabalho. Assim, para fazer face a esta crise, foram aprovadas no Congresso várias medidas de apoio (que deverão superar os 2 triliões de dólares), entre as quais um reforço a nível federal para o subsídio de desemprego (garantindo uma retribuição adicional de até 600 dólares por semana) e uma extensão do período da sua duração em 13 semanas adicionais. Note-se que, em 2019, em média, um americano na situação de desemprego recebia 378 dólares por semana. Convém ainda referir que nos EUA a legislação laboral é muito diferente de estado para estado e por isso quer o valor quer a duração dos benefícios variam muito.
Por exemplo, em termos de duração, o tempo médio para o país como um todo é de 26 semanas, mas estados como a Florida e a Carolina do Norte, apenas garantem 12 semanas de subsídio de desemprego. Outro impedimento que vem acrescentar mais incerteza na vida dos americanos que recorrem a este apoio é o facto dos próprios serviços que processam os pedidos de desemprego serem financiados de acordo com a evolução da taxa de desemprego (que nos últimos tempos se encontravam em valores perto dos 3.5%, próximo de mínimos históricos). Assim, os serviços estão sob enorme pressão e não estão a ser capazes de dar resposta atempada ao tsunami de pessoas que estão a necessitar de recorrer aos apoios. Na ausência de um mecanismo de layoff e num contexto de grande flexibilidade contratual, os despedimentos dispararam e os números do desemprego atingiram níveis catastróficos, com mais de 20 milhões de pessoas a solicitar subsídio de desemprego nas últimas 4 semanas (Gráfico 1).
Gráfico 1:Pedidos de subsídios de desemprego semanais nos EUA
Assim, cerca de 13% da população ativa perdeu o seu posto de trabalho em um pouco menos de um mês. Outra estatística impressionante é o facto da redução de empregos representar já mais de 80% de todos os postos de trabalho criados desde o fim da Grande Recessão (Gráfico 2).
Gráfico 2:Perdas de postos de trabalho da economia americana
Estes números são particularmente preocupantes para a Administração Trump, pois apesar do governo federal ter incrementado os benefícios sociais para os recém- desempregados, é inevitável que muitos deles sofram uma grande quebra de rendimentos e percam o seu seguro de saúde (normalmente custeado pela entidade empregadora) num momento particularmente crítico! Note-se ainda que nos EUA apenas uma, por vez pequena, parte dos trabalhadores são elegíveis para o subsídio em caso de perda de emprego (e mais uma vez esse número varia muito de estado para estado)! A taxa de elegibilidade da Carolina do Norte é a mais baixa do país - apenas 10.5% dos trabalhadores desempregados recebiam no final de 2019 subsídio de desemprego, enquanto em Nova Jersey (o estado com melhor cobertura) 52% dos desempregados recebiam subsídio:
Gráfico 3: Taxa de elegibilidade por Estado
Não é difícil de antever que, devido à quebra de rendimentos, o consumidor americano (o mais relevante para a procura mundial de quase todos os bens e serviços) vai alterar os seus hábitos de consumo e restringir compras e as principais empresas cotadas irão sentir uma redução nas suas vendas neste trimestre e muito provavelmente no próximo. A perda de rendimentos também inevitavelmente originará um aumento do incumprimento no pagamento dos créditos por parte de muitas famílias, quer do crédito pessoal, quer do crédito habitação, colocando o sistema bancário e o mercado imobiliário sob pressão.
Por todos estes motivos, os números de desemprego americanos são altamente preocupantes e têm o potencial para causar danos profundos na economia americana (e mundial). Todavia, as características da economia americana, designadamente a flexibilidade laboral, também potencia uma recuperação célere quando o contexto se alterar, mas tudo vai depender da dinâmica e da duração do shutdown provocado por esta pandemia.
E esta é a principal motivação para a retórica de Donald Trump que tem insistido numa rápida reabertura da atividade económica em todo o país, uma vez que teme os efeitos políticos desta crise e a sua não reeleição nas Presidenciais de novembro!