As Guerras Comerciais entre os EUA e a China surgem como resposta a um problema, que segundo Donald Trump, já se perpetua desde antes da entrada da China na Organização Mundial do Comércio em 2001.
O Presidente dos EUA considera que a China viola constantemente direitos de propriedade intelectual, ao obrigar as empresas estrangeiras que queiram fazer negócio no país a criar joint ventures (aliança comercial entre duas ou mais empresas) com empresas locais, empresas estas que depois copiam as tecnologias detidas pelas primeiras. Para além deste “roubo”, a administração Trump também considera que a China não reconhece patentes nem direitos de autor, especialmente aquelas provenientes do estrangeiro.
No seguimento destas acusações, no decorrer do ano de 2018, houve várias colocações de tarifas de parte a parte, bem como várias negociações falhadas. Em setembro, os EUA colocaram uma tarifa de 10% sobre EUR 200 MM de produtos chineses, anunciando que esta subiria para os 25% no final do ano, e, para além desta tarifa, a administração Trump ameaçou que se a China retaliasse, colocaria mais tarifas. Ora, a China respondeu rapidamente colocando uma tarifa sobre bens e serviços dos EUA avaliados em USD 60 MM. Em dezembro, os EUA anunciaram que não iriam aumentar a tarifa colocada em setembro para 25%, nem colocar novas tarifas até março de 2019, uma vez que as negociações estavam a correr bem. Entretanto, o presidente Trump anunciou via Twitter que adiou, sem data definida, a expansão das tarifas.
Estes jogos estratégicos de colocação de tarifas podem ser comparados a outros jogos do século passado. Durante a Guerra Fria, entre os EUA e a URSS, surgiu o conceito de deterrence aplicado à estratégia, que pode ser definido como o impasse causado pelo facto de que ambas as partes terem poder suficiente para destruir a outra. Como ambos os países sabiam que se atacassem iriam ser atacados, e consequentemente destruídos, nenhum deles atacou. Esta lógica pode ser aplicada às guerras comerciais, na medida em que tanto os EUA como a China têm capacidade de impactar severamente as economias um do outro, e se, no caso mais extremo, ambos os países decidissem cortar relações comerciais, e impedir que os bens e serviços da outra parte entrassem no seu país, as suas economias iriam ficar muito perto do colapso.
Ora, dado este contexto, e de forma a evitar que o cenário mais catastrófico se verifique, ambas as partes vão ter de ceder, mas a questão que se impõe é, quem é que vai conseguir os termos mais favoráveis. Os EUA querem que a China faça grandes progressos no capítulo do reconhecimento da propriedade intelectual e que limite as barreiras comerciais não económicas. Por sua vez, a China está satisfeita com o cenário atual, dado que consegue, através do “desrespeito” da propriedade intelectual, exportar produtos semelhantes aos produzidos noutros países a um preço mais baixo, e dessa forma obter saldos da balança comercial positivos com quase todos os países desenvolvidos.
Voltando ao pensamento mais estratégico, e aplicando a teoria dos jogos, num impasse com as condições acima mencionadas, obtém melhores resultados quem se mostra mais intransigível e comprometido com a sua estratégia. Esta estratégia é ganhadora se o adversário for evidentemente mais fraco, no entanto, se o adversário apresentar uma valência semelhante, esta estratégia pode comportar consequências muito nefastas para ambos os intervenientes.
Desta forma, surge o conceito de brinkmanship, que designa a estratégia de optar por uma posição muito agressiva e assertiva, até ao limite da segurança. Se uma parte entende que o adversário está a fazer bluff, manterá a sua estratégia. Ora, se ambas as partes tiverem este mesmo pensamento, o confronto acabará por existir, situação que não é favorável para nenhuma das partes. Outra forma de existir conflito ocorre quando um dos intervenientes vê a desistência da sua estratégia como o pior cenário possível, pior ainda do que a destruição mútua. Bons exemplos deste tipo de situações são os bombistas suicidas islâmicos e os Kamikazes japoneses.
Pegando num exemplo da guerra fria, a crise dos mísseis de Cuba, podemos ver que os EUA sempre tiveram uma posição mais firme. Após a colocação dos mísseis em Cuba, por parte dos Soviéticos, os EUA anunciaram que se estes não fossem retirados estariam dispostos a usar o seu arsenal nuclear para atacar tanto Cuba, como a URSS. Perante esta posição, e acreditando na força da mesma, os Russos tinham duas opções, ou retiravam os mísseis, e saíam da situação com a sua posição na geopolítica mundial enfraquecida, ou tomavam também eles uma posição de força, e arriscavam a destruição mundial. Ciente do dilema que a URSS enfrentava, os EUA cederam em parte, e, entre outras coisas, acordaram não atacar Cuba.
Fazendo um paralelo com as guerras comerciais, a administração Trump já demonstrou credibilidade nas suas posições, dada a constante colocação de tarifas no ano de 2018. No entanto, os chineses também se mostraram bastante convictos ao retaliar a cada uma delas. Neste momento, os países encontram-se num período de tréguas e negociações, que, por estarem a ser tão produtivas, levaram a que os EUA adiassem a imposição de novas tarifas, sem data definida. Porém, e após negociações falhadas no passado, os EUA já demonstraram que não têm problemas em carregar no acelerador no que toca à imposição de tarifas.
Até agora, este imbróglio está a ser marcado por tomadas de posição que, apesar de terem algum impacto, não comprometem de forma expressiva a integridade de nenhuma das economias. Contudo, se as negociações atuais não chegarem a bom porto, é possível que as posições se extremem, e que uma das partes coloque a outra numa situação semelhante à vivida pela URSS na crise dos mísseis de Cuba. Até ao momento, quem tem conduzido o ataque é os EUA, com a China apenas a retaliar, estando assim na pole position para assumir a posição, caso haja uma quebra negocial, que deixará a China no dilema entre aceitar as exigências, e ver a sua posição no comércio mundial enfraquecida, ou recusar, e arriscar o colapso do comércio mundial.
Perante este contexto de incerteza quanto à resolução deste conflito, todo o mundo tem sido afetado, especialmente os mercados bolsistas, que no último trimestre de 2018, período mais intenso da guerra, apresentaram quedas muito expressivas. Estas quedas permitem antever que, caso não seja atingido um acordo entre os dois países, a economia global vai sofrer bastante, podendo mergulhar muitos países numa crise profunda.