No final da década de 80 do século passado Warren Buffett afirmou que “gerações de investidores teriam poupado grandes dores de cabeça se um capitalista estivesse presente para abater Orville Wright, em Kitty Hawk, em 1903.” Buffett escreveu estas palavras aos seus acionistas no seguimento de um mau investimento na dívida convertível da US Airways.

 

O racional para tão áspera descrição do setor das companhias aéreas não é difícil de compreender, afinal… custos fixos pesados, sindicatos poderosos, poder reduzido para definir preços e uma enorme volatilidade num dos principais custos variáveis (o combustível) não constituem uma receita fácil para o sucesso.

 

Desta forma é com alguma surpresa que constatamos que Warren Buffett é um dos principais perdedores com a implosão do setor precipitada pela pandemia do Covid-19.

 

Antes deste vírus começar a varrer o planeta no início de 2020, a Berkshire Hathaway (holding controlada por Warren Buffett) detinha: 11% do capital da Delta Airlines, 10% do capital da Southwest Airlines, 10% do capital da American Airlines e 9% do capital da United Airlines. Em maio, na assembleia geral da sua holding, Buffett anunciou que já tinha vendido, na totalidade, as suas posições neste conjunto de companhias aéreas (assumindo um prejuízo estimado em mais de $7 mil milhões).

A performance do preço das ações destas empresas oferece uma descrição visual poderosa do impacto da pandemia neste setor de atividade:

 

 

No decorrer da conference call da apresentação de resultados relativos ao segundo trimestre de 2020 o CEO da Boeing afirmou que “a normalização do sector vai demorar, no mínimo, 3 anos a acontecer.”

 

Este outlook sombrio, partilhado pela generalidade dos investidores, é o principal responsável pela recuperação anémica dos preços desde os mínimos observados em março. Aliás, não escasseiam dados tangíveis para suportar este pessimismo… no final de junho, de acordo com a consultora Cirium (especialistas na indústria da aviação), 34% da frota global de aviões de passageiros permanecia inutilizada.

 

Ao justificar a realização das perdas aos seus acionistas, Warren Buffett isolou como catalisador da decisão a inevitabilidade destes negócios consumirem “enormes quantias de capital nos próximos anos” (o que não pode deixar de preocupar todos os contribuintes portugueses no contexto da nacionalização da TAP).

Ainda assim é possível identificar no gráfico acima uma diferença flagrante entre o comportamento da Southwest Airlines e todas as outras. Para melhor identificar o motor desta diferença será pertinente observar o que se passa no nosso lado do Atlântico:

 

 

Também no continente europeu é possível observar uma diferença notável entre a performance da Ryanair e todas as outras… quais serão os denominadores comuns entre esta empresa e a Southwest Airlines? Ambas empregam um modelo de negócio similar (uma proposta de valor baseada no low cost) e ambas são detentoras de operações best-in-class (exibindo as melhores métricas de performance da indústria, incluindo retornos sobre o capital investido que podem ser considerados anormais no setor).

 

Todavia, mesmo com fundamentais claramente superiores não é possível construir uma tese de investimento robusta sobre a Southwest ou sobre a Ryanair. Porquê?

 

 

Fonte: Bloomberg

 

A identidade do fornecedor das “grandes quantias de capital” que o setor precisa para sobreviver é fácil de identificar: são os contribuintes, tanto na Europa como nos EUA!

 

Os planos de resgate já em curso garantem a manutenção de postos de trabalho e a solvência de várias empresas, mas impedem o mercado de ajustar a oferta à redução drástica nos níveis de procura. Competir com operadores subsidiados pelo Estado não estava certamente nos planos de Michael O`Leary ou de Gary Kelly (os CEOs da Ryanair e da Southwest, respectivamente)… motivo pelo qual O`Leary encetou uma batalha legal “anti-resgates” contra a Comissão Europeia e várias empresas, como a Lufthansa ou a Air France. Numa entrevista recente concedida à Bloomberg o fundador da empresa Irlandesa afirmou: “não queremos ajuda estatal, mas estão agora a pedir-nos para competir não com uma, mas com as duas mãos atrás das costas.”

 

Assim, no contexto de um choque sem precedentes no nível da procura e de uma oferta subsidiada, em que serão governos a decidir quem sobrevive e quem sucumbe à insolvência, não será fácil alocar capital ao setor… particularmente no que concerne às ações destas empresas (até porque, a “zombificação” do setor garantirá rentabilidades deprimidas por muito tempo). A aparecerem, as melhores oportunidades podem residir nos títulos de dívida dos operadores considerados… demasiado importantes para cair!